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‘ARRUDA, Victor’, uma homenagem ao artista Victor Arruda

08/03/2018 - Por ArtRio

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro inaugura a exposição “ARRUDA, Victor”, que homenageia o artista Victor Arruda, um dos grandes nomes da arte contemporânea. A exposição, que tem curadoria de Adolfo
Montejo Navas, percorre os quase 50 anos de trajetória do artista, com cerca de cem trabalhos produzidos desde o início dos anos 1970 até o final do ano passado.

Victor Arruda é conhecido por sua pintura rude, bruta, sem concessões, com uma feroz crítica contra a hipocrisia e o abuso de poder, e a presença, desde sempre, de questões de gênero, com cenas explícitas de sexo. Para o artista, sua arte é conceitual, em que a “pornografia” (“nas aspas”, ele ressalta) e a agressividade estão a serviço da discussão de
temas internos e também sociais, como o assédio denunciado na pintura “Salário mais justo”, de 1975. Suas obras estão em coleções importantes como a de Gilberto Chateaubriand, Luiz Schymura, João Sattamini, Hélio Portocarrero e a do crítico italiano Achille Bonito Oliva (1939), que conheceu seu trabalho por intermédio do artista Antonio Dias (1944).

Adolfo Montejo Navas apontou dois grandes temas para aproximar os trabalhos de Victor Arruda na exposição: O primeiro é Palavras e Textos, que estrutura grande variedade de obras e suportes. A escrita é uma característica marcante na pintura do artista, e ora parece como frases ou palavras soltas, ora como narrativa. As demais pinturas estarão agrupadas por décadas: 1970, 1980, 1990, 2000 até o momento. Além de pinturas, a exposição terá uma instalação – “Homenagem às vítimas do dinheiro” (2014) – desenhos, fotografias, vídeos e cadernos de anotação do artista.

O segundo tema coloca o ênfase no lado culturalista que tem sua obra, cheia de diálogos heterodoxos com artistas de diversas épocas. Os trabalhos de Victor Arruda trazem referências à história da arte, como os suprematistas russos ou Magritte (1898-1967) – “o artista que mais admiro, que já disse tudo o que tinha que dizer” – embora nem sempre aparentes. Quando ao terminar uma tela percebe que ela contém elementos conhecidos, de outros artistas, Victor Arruda deixa clara a homenagem no título da pintura. Estarão na exposição várias dessas pinturas feitas “em homenagem” a outros artistas. “Penso muito nos títulos”, explica. “Quero deixar tudo explícito, facilitar a comunicação com o espectador”, diz Victor.

Nascido em Cuiabá, em março de 1947, Victor Arruda se mudou para o Rio aos 14 anos. Estudou museologia na UniRio, com especialização em arte contemporânea. “Eu era um artista contemporâneo antes mesmo de este termo ser usado, porque não me identificava com nada do que se fazia na época. Tudo era moderno e eu não era moderno”, conta.

CARLOS ZÉFIRO E NELSON RODRIGUES

Ele conta que alguns fatos foram decisivos para ele se convencer do caminho a trilhar em seu trabalho. Em 1973, viajou para Paris. Ao entrar no Grand Palais, a claridade do dia de verão parisiense contrastou com a penumbra do interior do museu. Isso fez com que pensasse que as telas do pintor expressionista Ad Reinhardt (1913-1967), expostas ali na grande galeria, eram pintadas de preto. Não entendeu o sentido daquilo, pois Malevich (1879-1935) já havia feito há décadas os célebres quadrados pretos, e, depois, Robert Rauschenberg (1925-2008) as pinturas brancas. Foi então que o olhar se acostumou à luz do salão, e ele pode perceber que na verdade se tratava de cruzes em um tom muito escuro de púrpura – “praticamente berinjela” – sobre um fundo negro. “Aquilo era de uma tal sofisticação cromática, uma coisa tão transcendental, que pensei: isso não é pro meu bico”. “E o que era o meu bico? As pinturas que eu já estava fazendo”.

Um ano depois, outra experiência marcante. Decidiu morar um tempo em Londres, e viu na Tate uma exposição de Lichtenstein (1923-1997). “Quando vi aquelas telas enormes, uma metralhadora mandando bala em um avião que já está explodindo (“As I Opened Fire”, 1964), quase caí pra trás. Pensei, deus, é por aqui que tenho que ir. Mas espera aí: isso aqui é a pop art americana, e eu não vou agora copiar o Lichtenstein, eu não nasci pra isso.

Eu não tinha a menor chance de competir com aquilo que eu admirava tanto. Não ia ser o seguidor de última categoria do Picasso”. Então, escreveu em um pedaço de papel: “não pinto para virar verbete”, conceito escolhido por Adolfo Montejo para nomear a exposição. Victor Arruda conta que foi a partir de então que decidiu seguir o que vinha fazendo. “Eu não tinha a menor chance de competir com aquilo que eu admirava tanto. Não ia ser o seguidor
de última categoria do Picasso. Sou brasileiro, sou de Cuiabá, Mato Grosso. Não vou fazer arte para mostrar em Nova York. Não sou seguidor de ninguém”.

Ele então recorreu a duas grandes referências suas: Carlos Zéfiro (1921-1992) e Nelson Rodrigues (1912-1980). A psicanálise também tem um papel relevante na produção do artista. “A psicanálise revirou tudo, a série de culpas por ser homossexual, não ser uma pessoa dita normal, e resolvi enfrentar as questões que vinham de fora, o dedo acusador. Passei a questionar quem era o homem normal, maravilhoso, pai de família, sério, que usava terno. Aquele mesmo que acha normal assediar a empregada que é negra, e que não paga o salário dela. Entendi isso aos vinte e poucos anos. Decidi que minha pintura tinha que ser uma reação contra essas pessoas. Com as minhas pinturas, aponto o dedo de volta.

A minha pintura não foi para falar sobre o assédio, mas sobre toda essa coisa nojenta que é o poder do dinheiro, o poder dos ditos normais. Contra essas pessoas que estão fazendo coisas terríveis. Só que não podia falar sobre isso. Por quê? Porque a arte era a arte moderna. Não podia ter texto, não podia ter narrativa, não podia ter frente e fundo, não podia ser autobiográfico, não podia sexo, não podia nada! Sabe o que resolvi fazer? Resolvi
usar tudo isso ao mesmo tempo!”.

Victor Arruda enfatiza que na época recebeu um importante apoio de Antonio Dias. “Ele me ajudou muito. Um amigo importantíssimo. Foi ele quem me apresentou ao Bonito Oliva, ao João Sattamini. Muito generoso. Sempre, todo ano, mandava flores para ele, e dizia para a mãe dele, com quem eu me dava muito bem: saiba que seu filho é uma das pessoas com quem sinto mais gratidão no mundo”.

Depois, com o surgimento da transvanguarda – termo cunhado justamente por Bonito Oliva – e a bad art, Victor Arruda sentiu-se encaixado, e identificado com esses movimentos. Ele lembra que “Gilberto Chateaubriand uma vez disse: o que mais me espanta em seu trabalho é a sua coragem”, lembra. Ele destaca que “não está preso a nenhuma data”. “O trabalho ‘Salário mais justo’, de 1975, uma pintura brutal, malfeita, está ligado ao néon de ‘Homenagem às vítimas do dinheiro’, de 2014, super elaborado, uma traineira que navegou nas águas da Baía de Guanabara em frente à ArtRio. Os dois estão juntos na exposição, ligados pelo mesmo conceito que faz com eles existam”, afirma. Os temas sociais permeiam toda a exposição, como “a tortura, existente em qualquer lugar do mundo, uma coisa
pavorosa”.

Desde o início dos anos 2000, Victor Arruda passou a usar mais cor em seus trabalhos. “Sabe que durante 35 anos eu não usei verde? Olha que coisa louca. Eu pintava e depois acabava cobrindo de cinza. Tirava o verde, e acabava tirando o resto”, conta. O artista tem o hábito de desenhar durante telefonemas, muitas vezes tarde da noite,
quando amigos o procuram para comentar o dia, ou filmes a que assistiram. Para isso, ele se vale de qualquer papel a sua frente, muitas vezes precisando dobrar a folha várias vezes para continuar desenhando. O mosaico formado pelas várias imagens se transformam em pintura. “As imagens são tão diferentes que parece a prática surrealista de pinturas coletivas, feitas em sequência”, explica. A obra “Kadavre exquis meu somente” (2017), em acrílica sobre tela, de 120 x 80 cm, é um exemplo disso.

A família materna de Victor Arruda é russa, de Harbin, na Mandchúria, no período em que a Rússia ocupou a cidade, de 1896 e 1924. “Eles eram muito brancos de olhos claros, e por isso eu não me considerava branco. A família de meu pai já é uma mistura de índios, negros, judeus e europeus. Por isso me considero um coquetel molotov”, brinca.
Fiel as suas próprias pulsões internas, Victor Arruda mantém uma trajetória pulsante e coerente, que o público poderá conhecer, de forma abrangente, com esta exposição no MAM Rio.

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